Regina Tavares da Silva dedicou a sua vida à luta pela Igualdade de Género. Marcou presença e discursou na 1ª grande conferência das Mulheres no México e foi presidente da Comissão pela Cidadania e Igualdade de Género. Também conheceu e travou amizade com Maria de Lourdes Pintassilgo, pessoa que marcou a sua vida.
Diz muitas vezes que a Maria de Lourdes Pintassilgo foi a pessoa que mais a influenciou na luta pela Igualdade de Género. Como é que se conheceram?
Eu conheci a Maria de Lourdes Pintassilgo quando era uma adolescente, tinha 13 ou 14 anos. Nessa altura ela dava aulas extra curriculares no liceu Filipa, onde eu andava. Já não me recordo do programa porque nessas aulas ela já nos falava muito sobre o papel das mulheres na sociedade e no mundo. E eu fiquei, desde essa altura, sensibilizada para esse tipo de questões. Aliás, eu ainda guardo o caderninho de apontamentos dessas aulas com o respectivo autógrafo da professora.
Depois continuei a encontrar a Maria de Lourdes durante várias fases da minha vida. Na Universidade de Ação Católica, da Juventude Universitária Católica da qual ela era presidente. Depois no Graal, que a Maria de Lourdes introduziu em Portugal, e essa dimensão do papel das mulheres na sociedade era cristã, mas é uma ótica fundamental. Eu vivia em Coimbra quando ela pensou em regionalizar a Comissão para a Politica Social relativa à Mulher, e me convidou para trabalhar com ela. Depois quando vim para Lisboa fiquei a trabalhar na Comissão [agora Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género], foi assim em ’73.
A Maria de Lourdes foi o motor desta temática em Portugal. Teve uma visão pioneira ao olhar estas questões como de carácter político, e não apenas questões sociais, no sentido em que são responsabilidade do Estado e da sociedade lutar contra a discriminação.
Maria de Lourdes Pintassilgo foi, de facto, Primeira-Ministra (a 3ª da Europa), mas parece ficar esquecida. Acha que se deve só ao facto de ser mulher, ou a situação inconstante na altura também contribui para isso?
Acho que tem a ver com tudo. A figura dela foi, de facto, muito apagada e acho que o país não a reconheceu devidamente o papel e a dimensão que ela teve. Eu até tenho a sensação que ela era muito mais reconhecida a nível internacional do que nacional.
Quando a Maria de Lourdes morreu, eu estava nos Estados Unidos. No dia seguinte encontrei a Srª. Angela King e ela disse-me: “Regina, acabei de saber da morte da Maria de Lourdes Pintassilgo. Que grande perda para o vosso país”. E eu continuo, ainda hoje, a pensar se o país sentiu assim tanto esta grande perda. Por este e por outros episódios, ela tinha uma estatura, um respeito e uma admiração que talvez não tenha tido em Portugal. Basta ver a multiplicidade de sítios institucionais, internacionais em que ela participou. São mais conhecidos, de facto, as Nações Unidas, a Universidade das Nações Unidas, a OCDE, a participação dela no Comité de Sábios da Comissão Europeia.
Durante os anos 60, a Regina esteve nos Estados Unidos da América e acompanhou de perto os movimentos cívicos pelos direitos das mulheres e contra o racismo. De que forma é que os vivenciou?
Eu estive nos EUA na altura em que colaborei com o Graal, numa instituição universitária mas que não fazia parte das universidades superiores. Isto foi nos anos 60, e estes anos foram anos de grande desenvolvimento. Os países em desenvolvimento entraram para as Nações Unidas, e houve uma grande tomada de consciência dos problemas desses países e da situação das mulheres desses países. E foi também a década a favor dos grandes movimentos cívicos e sociais. Aliás, eu estava nos EUA quando foi aquela grande marcha sobre Washington com o Martin Luther King e o discurso “I Have a Dream”. Esse também foi o início dos novos feminismos.
O que é que a fez ir para os Estados Unidos?
No fundo foi o desejo de ver o mundo. Portugal, nessa altura, era uma sociedade fechada, mas tive a sorte dos meus pais, por serem pessoas abertas, de ter ido para a Holanda, para a Alemanha, França. E fiquei sempre com esse desejo de conhecer outras pessoas, outras mentalidades, outras sociedades.
Há alguma experiência que a tenha marcado nos EUA?
Foi um ano muito intenso. O experimentar uma cultura completamente diferente, o perceber o que é o sonho americano. Lembro-me de, no Verão, ir com 4 outras colegas trabalhar num projeto na Califórnia, e eu estava em Cincinatti, em Ohio, com crianças mexicanas. E, para ir até lá, fizemos de carro parte da route 66, a mother road [estrada mãe] e passámos por reservas índias percebemos como tudo aquilo foi sendo construído.
Quando voltou para Portugal sentiu muita diferença?
Era uma sociedade diferente! Quando vim para Portugal fui trabalhar para Coimbra para um centro do Graal, com estudantes universitários. E trabalhar com universitários é muito diferente de estar num emprego mais tradicional. Portanto sentia-se alguma abertura. Não foi complicado. Aliás, passados dois anos fui-me embora para Inglaterra.
Como é que era ser feminista antes do 25 de Abril?
A palavra feminista antes do 25 de Abril não se usava. É evidente que o tema “Mulher” e o papel e a situação das Mulheres no mundo já era um tema, especialmente nos anos 60, que se sentia. Quer nos círculos académicos, quer nos movimentos cristãos progressistas. Logo no início da década o Jornal da Associação Académica de Coimbra, que se chama “A Via Latina”, publicou uma carta aberta às jovens portuguesas. Era uma chamada de responsabilidade às jovens portuguesas em que dizia que tinham que ter os mesmos direitos e que a sociedade não as podia oprimir enquanto pessoas. Foi uma carta que despertou um enorme brado, de alguma discordância e até de algum escândalo. Sentia-se que era um tema que estava a germinar. Não foi um grande espanto quando a seguir ao 25 de Abril surgiram uma série de organizações, como o Movimento de Libertação das Mulheres (MLM), muitas coisas vieram, de facto, ao de cima.
A Regina esteve sempre na linha da frente pelos Direitos das Mulheres, esteve na Conferência do México, integrou a Comissão da Condição Feminina, foi membro da Comissão Europeia e do Comité para a Eliminação da Violência contra as Mulheres. Se pudesse escolher, qual seria o momento mais importante que vivenciou na luta pela Igualdade de Género?
O marco a nível internacional que se considera que foi o princípio da introdução destas questões foi a declaração do ano internacional da Mulher em 1975. Aquela foi a primeira grande conferência, na Cidade do México. Foi o assumir junto da comunidade internacional destas questões como questões que devem entrar na agenda política. Com a declaração que foi feita, com o programa de ação, com a criação da década das Nações Unidas para as Mulheres. E foi muito interessante porque coincidiu com a nossa mudança a nível nacional. Houve o proclamar da igualdade na constituição e a alteração do código civil, as leis da família, a lei da igualdade e do emprego.
Acho que já chegámos à fase em que os princípios estão proclamados e aceites. Neste momento falta pô-los em prática. E isso é que é extremamente demorado. É muito interessante que, por exemplo, no Conselho da Europa tem havido várias recomendações sobre estas matérias, mas há apenas duas declarações – que são os documentos de princípios de afirmação política e jurídica-: uma delas, de 1988, que proclama a igualdade como princípio de direitos humanos como requisito da democracia; a de 2008 vem dizer, e o título diz tudo: “Tornar a Igualdade uma Realidade”. Hoje interessa concretizar, não é fazer mais grandes proclamações, elas estão feitas. É evidente que concretizar demora, porque é uma mudança estrutural, social e cultural. Mas tem de ser apressado. Há pessoas que dizem que como já não há descriminação na lei, é tudo uma questão de evolução natural, que havemos de lá chegar. Mas eu acho que à velocidade que a evolução natural se está a processar vai demorar muitas, muitas décadas. É necessário apressar a mudança. A desigualdade salarial, à velocidade que está a diminuir, só vai deixar de existir daqui a 170 anos! E quanto mais qualificadas são as mulheres maior é o gap salarial, o que significa que as mulheres têm mais dificuldades em chegar ao cargos de decisão. É a chamada segregação vertical.
Acha que alguma vez teremos os nossos direitos assegurados?
Eu espero bem que sim! Senão o que é que andei a fazer em toda a minha vida? Mas este não é um movimento constante, tem progresso e retrocesso – tal como todos os outros movimentos sociais e culturais-.