A Ana Rita Trindade pertence ao Núcleo da UMAR em Viseu e é presidente da Cooperativa de Animação Turística “AcolheRural”, centrada no turismo ético e responsável. Tem 19 anos, nasceu em Lisboa e vive desde a infância no distrito de Viseu. Encontra-se a estudar no primeiro ano da licenciatura de Educação Social.
Quem és tu?
Eu chamo-me Ana Rita Sousa Trindade. Tenho 19 anos. Nasci em Lisboa, na maternidade Alfredo da Costa, mas desde logo cedo vim para a aldeia. Cresci numa aldeia muito pequenina, com cerca de dez moradores, sendo que cada casa tem cerca de duas a três pessoas. Cresci com a minha mãe, porque os meus pais estão divorciados, com a minha mãe, com os meus avós e com os meus irmãos. Recentemente tirei o curso de Restauração, 12º ano. E agora estou no primeiro ano de licenciatura em Educação Social. Já me têm perguntado muitas vezes porque é que quero prosseguir estudos na área social. Eu acho que é muito importante nós termos pessoas técnicas na área social. Nós estamos muito direcionados para áreas mais cognitivas, mais científicas e esquecemo-nos que muitas vezes é importante mudarmos a sociedade, mudarmos os estereótipos, mudar e capacitarmos as pessoas para essa mudança. Pronto, daí eu ter sempre um grande interesse em estudar. Cheguei ao 11º e disse logo à minha mãe que queria estudar. Na altura não tinha possibilidades económicas para tal. Depois surgiu esta oportunidade de vir para aqui e agarrei com unhas e dentes, como se costuma dizer. E cá estou eu, a tirar a licenciatura em educação social, no segundo semestre do primeiro ano.
Falaste em estereótipos. Quais gostarias de mudar?
Temos muitos. Acerca dos idosos, por exemplo. Acerca também das mulheres temos estereótipos. Acerca de pessoas com deficiência… acerca de muitas, muitas questões.
O que é que te levou a participar no trabalho desenvolvido pela UMAR.
Eu cresci numa aldeia onde tem coisas muito boas, mas também tem coisas menos boas. É que na nossa geração, nós queremos evoluir. Eu sempre tive muita necessidade de querer evoluir. De querer seguir e ter uma vida melhor que aquela que tinha. Gosto muito da aldeia. Gosto muito de ir a casa da minha mãe. Vou lá todos os fins-de-semana estar com a minha avó, conviver com as pessoas de lá. Gosto de provocar às vezes para ver o que é que as pessoas dizem. Para ver se já mudou, como é que estamos a nível de sociedade. Mas dava conta que precisava de outras aberturas. E fiz um estágio de nove meses na Associação Fragas através do Centro de Emprego. Aí comecei a abrir o meu campo de conhecimentos noutras áreas. Conheci pessoas que conheciam a Manuela Tavares, que é feminista. Comecei a perceber o que era isto dos feminismos e a pensar: “se calhar eu sempre fui feminista”. Realmente, eu era feminista. Depois formou-se aqui a UMAR em Viseu, eu estive presente na formação do núcleo. Neste momento, estou a fazer formação na área da igualdade de género e da violência no namoro, através do projeto CAMI da UMAR. É uma área que me dá muito interesse, não só porque é uma área de intervenção do meu curso, mas também porque a nível de pessoal me dá gosto saber mais sobre isto. A medida que o tempo vai passando eu vou conhecendo mais, quero conhecer mais.
O que te levou a participar no projeto “Memórias e Feminismos” também da UMAR?
Estava na UMAR quando houve esta proposta. Tenho uma avó com 75 anos e fomos as duas, por muito interesse da minha avó. Ela tem uma visão que eu, às vezes, fico admirada. Em relação à sexualidade, por exemplo, aceita perfeitamente que os jovens hoje em dia tenham sexualidade sem ser após o casamento. Achámos interessante ter uma avó e uma neta.
Sentes que há muitas diferenças entre gerações, em relação à forma como veem as questões da igualdade entre homens e mulheres?
Sim. Há diferenças. A minha avó tem algumas coisas muito agarradas ainda ao passado e à religião Católica. Eu já não tenho essa visão. E à medida que o tempo vai passando, eu vou tendo a visão cada vez mais aberta. Mas ainda há muita situação que pode ser mudada.
Agora que trabalhas na UMAR, sentes que estás com mais ferramentas para lidar com estas situações? Consegues reagir de forma diferente?
Sim, muito mais. Por exemplo, a linguagem inclusiva, que é uma questão que eu aprendi na UMAR, era uma coisa que eu nem sequer ligava. Eu própria dizia “o homem” e não dizia “a mulher”. Agora, eu estou nas aulas e digo “bom dia a todos e a todas”. E as pessoas diziam-me assim na aula “então porque é que tu dizes todos e todas?” Porque há homens e mulheres dentro da sala. E quando há homens e mulheres devemos cumprimentar todos e todas. E não só todos. Porque não é universal. As pessoas dizem que é universal mas não é. Eu fiz uma apresentação de trabalho muito gira sobre educação para a igualdade de género. E uma das questões que nós falamos foi porque é que é o cartão de cidadão e porque é que não é o cartão de cidadã. Porque se eu sou cidadã, eu tenho de ter um cartão de cidadã. Porque eu não sou cidadão. Agora, há pessoas que me dizem “ah, prendem-se a coisas também muito pequeninas”. Mas são as pequeninas coisas que fazem a diferença.
Notas muita diferença entre as aldeias e aqui, por exemplo, a cidade?
Sim, nota-se. Principalmente nas aldeias. Como cresci numa aldeia pequenina, nota-se bastante. Também pelo facto de toda a gente conhecer toda a gente e toda a gente conhecer a vida de toda a gente. Também isso influencia. Mas nota-se a diferença. Há mais estereótipos nas aldeias.
Em relação ainda ao feminismo, qual é que achas que é a percepção que a maioria dos jovens, hoje em dia, tem?
Eu tenho duas visões acerca dessa questão. Tenho a visão do curso de Educação Social e tenho a visão dos jovens em geral. Dos jovens que não fazem formação nenhuma nisto, que não estão inseridos neste tipo de atividades, eu acho que é muito desconhecido. Se eu for perguntar a uma pessoa que não tenha formação nenhuma, ou que não tenha estado nesta área “o que é o feminismo?” ninguém sabe. Até podem ter atitudes que levem ao feminismo mas não estão informados sobre o que é. Ou porque não querem ou porque também não tiveram oportunidade de chegar a estas questões, mas não estão. Agora, por exemplo, em relação ao curso de Educação Social já tenho visto vários debates e as pessoas estão informadas e já sabem o que é e muitas delas concordam e também já começam a fazer a linguagem inclusiva e essas questões.
E tens alguma sugestão sobre o que é que se poderia fazer para promover a igualdade de género entre os e as jovens?
Acho que se pode fazer uma intervenção socioeducativa. Não vale a pena, por exemplo, nós estarmos ali e dizer com um PowerPoint “olhe, deve ser assim e assim e assim”. Acho que devemos pôr as pessoas a pensar, a refletir e, sem as pessoas darem conta, chegarmos aos nossos fins. Eu acho que isso é importante.
Como surgiu a Cooperativa de Animação Turística “AcolheRural”?
Fiz formação na Associação Fragas e achámos que as aldeias tinham muito potencial, e que devíamos criar algo que desse seguimento àquilo que tinha sido o projeto Acolher. Neste, tínhamos sido capacitados, rapazes e raparigas, para mediadores de turismo ético e responsável. Decidimos criar uma cooperativa de animação turística. A nossa direção é só mulheres. É uma coisa que toda a gente acha piada; é das primeiras perguntas que me fazem: “Porque é que são só mulheres?”, – “Porque os homens fugiram”. Eles fizeram formação. Mas houve alguns que foram para a escola estudar e houve outros que desligaram-se, não quiseram ficar com estes encargos, porque eu acho que as mulheres agarram-se mais a estas questões. Agarram-se mais e são mais lutadoras. Não desistem assim tão facilmente.
Além da questão da persistência, achas que pode ser uma área que atrai mais mulheres?
Eu acho que isso é relativo. Isso também é um estereótipo: aquilo é para os homens e aquilo é para as mulheres. Não é a questão de atrair mais mulheres.. As mulheres é que avançaram.
Ou seja, não houve uma intencionalidade de trabalhar só em especial com as mulheres, mas foi acontecendo?
Sim, foi acontecendo. Também queríamos fazer reunião com as mulheres. Na altura por causa das casas de acolhimento. Mas também trabalhamos com homens.
Quais são os teus planos futuros?
Costumo dizer em tom de brincadeira, que acho que aquilo que me costuma fazer acordar todos os dias são os sonhos que tenho. Quero acabar a licenciatura. Gostava de fazer uma pós-graduação na área. Gosto de música ( a Ana pertence ao grupo musical Ars Nova). Gosto de escrever. Tenho muitos interesses!
Entrevista Catarina Leitão | Fotos: Denise Bettencourt