Odete Fiúza é jurista e atleta para-olímpica. Veio de Leiria para Lisboa para estudar Direito e foi nesses anos que encontrou o atletismo. Em 20 anos de carreira ganhou 14 medalhas e muitas histórias para contar.
A Odete nem sempre gostou de correr. Como é que chegou até aqui?
Durante a adolescência não gostava muito de correr. Quando vim para Lisboa, para a universidade, tive necessidade de procurar mais apoios na área da deficiência visual e inscrevi-me na ACAPO, onde havia publicidade a atletismo para cegos. No início mostrei alguma resistência, mas fui experimentar. Depois fui estimulada a participar em competições internacionais. O meu primeiro impacto foi estar com pessoas fora do comum. Pessoas cegas que andam na universidade e que têm tantas competências. A corrida é extremamente inclusiva. Nós corremos com guia, mas corremos naquele espaço com todas as outras pessoas. Eu pertenço à sociedade.
Em 20 anos de carreira, qual foi a história que a marcou mais?
Em 2003, no campeonato do mundo. No tempo de aquecimento deixamos as coisas em montes e eu tinha já separado o saco com os ténis com os quais ia fazer a prova. Quando volto do aquecimento digo ao guia que os ténis tinham desaparecido. Alguém tinha roubado os ténis. Se afetou a minha prova? Não sei, mas bati o recorde pessoal e fiquei em terceiro lugar.
E também em Londres, em 2012. Ia bastante bem classificada e quando entrei nos últimos 150 metros empurrei o meu guia, ele tropeçou e caiu. E continuei a correr sozinha, mesmo sabendo que não podia chegar sozinha à meta. Eis que ele aparece pelo meu lado direito e diz: “Odete, estás muito perto da calha, olha que vais cair!”. Tenta pôr-se entre mim e a calha, faltavam 20 metros para chegar à meta. Eu tropeço nele e caio. Não me podia agarrar ao guia e estive uns 5 segundos para me levantar. Foi muito tempo! Mais tarde o meu guia disse em tom de brincadeira: “Só tínhamos duas hipóteses de ouvir 80 mil pessoas de pé. Ou ficávamos em 1º lugar ou tinha de atirar a Odete para o chão”.
Dentro do desporto sente que ainda existe tanta discriminação de género como quando começou?
O contexto há 25 anos atrás era marcadamente masculino e a reação era “o que está aqui a fazer esta menina? Devia era estar em casa”.
Mas não posso deixar de fazer essas comparações entre Atlanta ‘96 e Rio de Janeiro 2016. É completamente diferente. Em ‘96 não tinha um guia masculino que quisesse correr comigo, porque não queria, porque era mulher. E no Rio de Janeiro, havia já uma maior abertura.