Raquel Rodrigues e Lúcia Furtado: “Muitas vezes confundem-se privilégios com direitos e essa desconstrução é importante”

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FemafroRaquel e Lúcia são duas das fundadoras da FEMAFRO, associação de mulheres negras, africanas e afrodescendentes em Portugal. Esta associação, que começou através de uma página de Facebook, foi responsável pelo primeiro encontro de feministas negras em Portugal e está a querer quebrar as barreiras que ainda se notam quando se fala de raça, classe e nacionalidade.

 

 

Gostava que me fizessem uma pequena introdução sobre quem são, sobre a vossa trajetória.

Raquel – Nós somos a FEMAFRO, Associação de Mulheres Negras, Africanas e Afrodescentes em Portugal, e estamos legalmente constituídas desde Julho de 2016. Começámos como uma plataforma no Facebook, por termos tão pouco espaço para falar sobre as nossas narrativas: a questão da classe, do género, da raça, da interseccionalidade… Começámos a ver um interesse contínuo das pessoas, e algumas começaram inclusive a enviar textos e outras notícias que faziam parte do nosso universo. Achámos que, como a participação estava a ser tão entusiástica e tão grande, estava na hora de fazer o primeiro encontro oficial de feministas negras em Portugal, que se realizou no dia 30 de abril de 2016. A partir daí formou-se um grupo e resolvemos então fundar a FEMAFRO, quando vimos que as nossas necessidades e as nossas reivindicações eram prementes e que de facto faltava uma organização que desse resposta à procura de maior participação cívica e ativista das mulheres negras em Portugal. A questão do feminismo negro é ainda uma ideologia feminista muito pouco falada aqui. Numa perspetiva mais global vemos que efetivamente existe pouca representatividade das mulheres negras no movimento feminista em Portugal e então resolvemos, enquanto associação e organização, dar o nosso contributo para isso.

 

Sobre o feminismo interseccional: porque é que o consideram tão importante para essa frente do feminismo e quais seriam as diferenças na resolução dos problemas para pessoas de classes e raças diferentes?

Raquel – Eu costumo dizer que muita gente identifica o início do feminismo negro a partir dos anos 70, mas não, é algo muito anterior: estamos a falar de finais do século XIX, de figuras como a Sojourney Truth que fez um discurso bastante emocionante marcante, que se chama “Ain’t I a woman?”. Nesse discurso já questionava o tipo de feminismo que naquela altura as mulheres estavam a reivindicar: ela não se sentia integrada, porque esse feminismo não tinha em conta as questões da raça nem da classe social. Naquela altura as mulheres pediam o direito ao voto, ao trabalho, à independência e ao fim da subjugação à cultura patriarcal e machista dominante da época. E ela fala precisamente sobre essa questão, dizendo que enquanto mulher negra já trabalhava há muito tempo e era escrava. A partir daí várias outras mulheres, como a Harriet Tubman, começaram a falar sobre essa questão, a perceber que não se sentiam representadas no feminismo hegemónico que não tem em conta as questões de classe e as questões raciais que durante anos colocaram as mulheres negras e as mulheres afrodescendentes num plano mais frágil. Eu não posso dizer no movimento feminista que sou mulher e depois ir ao movimento negro e dizer que sou negra. Eu sou uma mulher negra. São coisas que estão ligadas a mim, que são indissociáveis.

Quando as mulheres negras vão para o feminismo e falam sobre estas questões muitas vezes vêem-se barradas, principalmente quando tocam na questão da raça, que remete imediatamente para uma questão que não tem a ver com a igualdade de género. Mas tem a ver! Então de que tipo de mulheres é que estamos a falar quando se fala sobre o feminismo, que mulheres é que estão representadas neste feminismo? E nós temos visto que ao longo dos anos o poder e o local da fala é sempre visto de uma forma euro-centrada, não tendo em conta as várias formas de ser mulher. O ser mulher vai muito para além da biologia, e estamos a falar até mesmo do ser mulher enquanto construção social. Nós sabemos que a comunidade africana, devido aos 400 anos de colonialismo e de escravatura a que foi sujeita, foi sempre colocada na base da pirâmide em termos económicos, sociais, culturais, políticos. E as mulheres negras ainda mais porque, para além do racismo e do colonialismo, carregamos também o machismo que também se faz sentir dentro do próprio movimento negro. Porque na frente do movimento negro as mulheres tiveram uma importância muito grande e é preciso perceber porque é que quando nos reportamos à história a invisibilidade das mulheres se torna maior.

 

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Podes explicar um pouco melhor o que é a interseccionalidade?

Raquel – A interseccionalidade é um conceito que foi cunhado academicamente pela Kimberley Crenshaw em 1989 precisamente para que se entenda que as desigualdades não advêm apenas do género e que existem uma série de condicionantes que fazem com que eu adote ou aceite um certo papel social que me foi dado, que me foi imposto pela sociedade em que vivo. E ela fala da importância de trazer este conceito para o feminismo para que mais mulheres se sintam integradas e possam participar.  Dentro do género mulher tem que haver este debate mais aprofundado. Em Portugal, por ser um tema ainda tão recente, causa ainda um certo desconforto falar sobre isso: não se fala abertamente sobre a questão racial em Portugal. E nós temos de perceber como é que conseguimos desconstruir esta ideia e fazermos perceber que quando falamos da questão do racismo não falamos de forma individual, de apontar o dedo e dizer que determinada pessoa é racista. Estamos a falar do racismo em termos ideológicos: é uma ideologia política, social, cultural que discrimina as pessoas muitas vezes com base no seu fenótipo e na sua origem étnico-racial. E como é que esta discriminação muitas vezes impede as pessoas que sofrem destas opressões de aceder a certos espaços sociais, políticos, económicos, culturais… Basta darmos uma vista de olhos à sociedade portuguesa e vermos que de facto os negros estão subrepresentados nestas áreas e estão sobre-representados em áreas como o serviço doméstico, a construção civil, a restauração, a limpeza… Enfim, é vermos como é que estas desigualdades ainda continuam perpetuadas ao longo do tempo, e é preciso discutir esta questão, é preciso efetivamente colocar o dedo na ferida e não ter medo de falar sobre isso.

 

Comentaram que no início fizeram uma página no Facebook para falar sobre feminismo negro e daí várias pessoas mandaram mensagens e começaram a criar um diálogo. Vocês têm algum público alvo definido?

Lúcia – É plural. Na FEMAFRO vamos talvez dos 18 aos 70, pode-se dizer. Acho que também é importante perceber que toda esta narrativa não é dirigida apenas aos africanos e aos afrodescendentes, é também dirigida ao público não negro. Porque o público não negro tem também de começar a falar sobre este tema, a tomar consciência do lugar que tem nesta sociedade e o que pode fazer para nos auxiliar a atingir essa visibilidade que tanto procuramos. Nós queremos também envolver os homens, os adolescentes, as crianças, queremos as mulheres, queremos envolver todos nesta luta, e toda a gente tem de começar a falar desta problemática se queremos que haja evoluçãom que se comecem a desconstruir conceitos.

Raquel – E eu acredito piamente que o racismo não é uma problemática dos negros. O racismo é uma problemática branca, e é importante também que as pessoas não negras tomem a consciência dos privilégios que a branquitude lhes traz e estarem dispostos a desconstruir estes privilégios. Muitas vezes confundem-se privilégios com direitos, e é importante essa desconstrução. Porque nós estamos a falar de séculos e séculos de história, e apesar de dizermos que muita coisa mudou nós não nos podemos acomodar e achar que está tudo bem, que não devemos falar sobre determinados assuntos porque é tabu, que os não negros não estão preparados para falar sobre o racismo. Eu acredito piamente que os não negros estão preparados para falar sobre esta questão e que devem ser chamados a falar, porque isto tabmém lhes diz respeito. Portanto não pode ser esta questão dividida e colocada sobre as costas da população negra, da comunidade africana porque só nós não conseguiremos travar esta luta, precisamos da ajuda, da compreensão, da empatia do outro lado.

Muitas vezes nós dizemos que quando algo não nos diz respeito, quando algo não nos afeta mantemo-nos em silêncio, mas é muito importante vermos o quão o silêncio se torna cúmplice e uma situação que se mantém e se perpetua. E é isto que pretendemos trazer à sociedade portuguesa e às instituições governamentais e não-governamentais: este sentimento de que este é um assunto que diz respeito a toda a gente. E dentro do feminismo nós mulheres negras sempre lutámos e sempre tivemos empatia, e sempre fomos à frente das marchas e sempre fomos à frente das organizações e das atividades juntamente com as mulheres não negras. Sempre lutámos por esta questão do género, mas também temos de começar a pedir responsabilização às mulheres não negras sobre esta questão do racismo que faz parte também do feminismo e que faz parte das pautas reivindicatórias das mulheres negras. Não podemos ser só nós a caminhar pelos outros, nós também temos de sentir esta empatia por parte do feminismo hegemónico para que abram portas e nos deixem ter um lugar de fala.

 

Vocês diriam que o que mais procuram fazer com a organização é essa questão da consciencialização sobre os problemas que vos afetam afetam direta e indiretamente?

Raquel – Claro. E há um coisa que gostava de frisar na entrevista que é a questão do reconhecimento da nossa identidade enquanto mulheres portuguesas.

Lúcia  – Em Portugal ainda não existe o português negro. Ainda há pouco tempo estava numa reunião e perguntei quando é que iam abrir espaço para mim – uma portuguesa negra que nasceu em Portugal, que estudou cá, que paga aqui os seus impostos e trabalha – e remetem-me para o ACM (Alto Comissariado das Migrações). Em qualquer lado onde vamos a primeira pergunta é de onde é que somos. Se dissermos que somos de Portugal, que nascemos ali em Lisboa, dizem “Não não, mas de onde é que é?”. Ficamos ali meia hora até termos de dizer que os nosso pais são de Cabo Verde, de Angola ou de onde for. E também há a primeira coisa que sai da boca de qualquer pessoa quando começam a ofender, “Vai para a tua terra”. E nós temos essa necessidade de ser vistos como portugueses, e agora já temos segundas, terceiras gerações que cada vez têm menos afinidade com o país de origem da família e que mesmo assim não são vistos como portugueses. Ainda em outubro tivemos uma atividade numa escola, onde perguntámos aos alunos se se consideravam portugueses, e a grande maioria disse que não. Os professores ficaram muito espantados mas isto é uma realidade, é um problema muito grave.

Raquel – Quando falam de alguém que não tem identidade nós perguntamos como é que esta pessoa pode exercer a sua cidadania. Porque quando nos dizem que são todos portugueses a partir do momento em que têm o cartão de cidadão, temos de dizer que o cartão de cidadão é um objeto físico que uma pessoa adquire e que utiliza para determinadas situações, mas não é esse o objeto que elimina as discriminações. Esta situação perpetua-se quando falamos dos imigrantes de primeira geração. Eles foram imigrantes, mas os seus filhos, os seus netos, não podem continuar a carregar o estigma da imigração. Eles são portugueses, têm direito, e a própria lei da nacionalidade não admite que filhos de imigrantes que tenham nascido em território nacional sejam considerados portugueses. A lei não assume isto porque vai pela questão de jus sanguinis: filho de imigrante que não tenha nacionalidade portuguesa e que nasça em território nacional adquire automaticamente a nacionalidade dos pais. Isso é uma das grandes batalhas que queremos travar. Queremos afirmar que quem nasce no território português tem direito de ser português, independentemente do país de origem dos seus pais. E quando muitas vezes são barrados pelas próprias instituições, é claro que se cria uma crise identitária. E essa crise leva ao isolamento, à exclusão, à perpetuação da situação da comunidade negra e afrodescendente em Portugal, que é basicamente uma de exclusão da vida pública e da vida participativa da sociedade portuguesa. E logo, se estou excluído e não posso participar, obviamente que não tenho voz, não é? E esta questão da voz é extremamente importante.

 

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Será que vos podia desafiar a falar um pouco sobre a questão da voz?

Raquel – Falar na expressão “Dar voz” causa-me alguma fricção: nós não necessitamos que nos dêem voz. Nós temos voz, nós necessitamos é que nos oiçam e que abram espaço para que possamos falar. Há um conceito extremamente importante do feminismo negro que é o local de fala. Ou seja, a partir das minhas experiências, das minhas vivências enquanto mulher negra poder falar sobre esta minha situação e poder ser ouvida enquanto mulher negra. E o local de fala é extremamente importante porque delimita a questão de eu poder falar e não ter outras pessoas a falar por mim.

 

Às vezes nos movimentos feministas do Brasil, por exemplo, havia muito a questão de meninas que chegavam aos movimentos sabendo que estavam insatisfeitas com coisas mas não sabendo colocar em palavras. Com as pessoas que chegam, vocês sentem que elas já têm as reivindicações muito claras dentro delas ou que vão construindo em grupos?

Raquel – Eu acho que isto é um processo, e todas nós passamos por ele. Pode ser mais lento, mais longo, pode ser mais suave, mais agressivo, mas todas nós passamos por este processo, de nos tornarmos mulheres negras. Começamos pela questão da não muita exposição ao sol, da questão do cabelo, posteriormente da questão das relações sentimentais, de não nos vermos representadas socialmente. São questões que podem ser muito simples, e que estão ligadas à representatividade e à representação da mulher negra. E começa esse questionamento “Então onde é que eu estou, onde é que eu me vejo?”. E começamos a perceber que há certas coisas que não estão certas. Se eu vejo um determinado grupo étnico representado na televisão mas não vejo o meu, eu começo-me a questionar sobre o meu papel social. Eu importo? Se esta representação não existe há-de ser por algum motivo. Aí é que começa o questionamento, aí é que nós começamos também a ir pela história e a ver o que é que se passou para que isto esteja a acontecer. Começamos então, muitas vezes fora do meio académico e do mainstream, à procura de informações que não nos foram passadas durante a nossa infância: quando falamos do colonialismo, por exemplo, é quase como se o continente africano não existisse antes dos Descobrimentos. Numa entrevista da Grada Kilomba ela fala sobre essa questão e vai ainda mais longe, no sentido não só do apagamento da história mas do apagamento da nossa própria identidade.

Muitos de nós, dos nossos antepassados, tínhamos sobrenomes tipicamente africanos, e agora somos Silvas, Mendes, Semedos, Azevedos. Então porque é que nos colocaram estes nomes? Tem a ver com a questão da evangelização: muitas vezes os missionários iam evangelizar as populações que chamavam de populações indígenas, e isso terminava nos batizados. Essas pessoas eram batizadas com sobrenomes ocidentais e começavam a sua nova vida civilizada, cristianizada… É quase como se houvesse um antes e um depois na história do continente africano. É importante reconhecermos isso, e a partir do momento em que começamos a deter e a trabalhar estas informações – principalmente em conjunto – vamos desconstruindo esta imagem e estes pensamentos até nos sentirmos suficientemente fortes para irmos lá fora e falar sobre estas questões. Mas isto é um processo que, como eu disse, varia de pessoa para pessoa, de mulher para mulher, e que às vezes pode até nunca chegar a acontecer. Mas quando acontece já não há como recuar, já não há como calar a voz interna que grita “Por favor oiçam, eu estou aqui”.

 

Porque é que fazemos distinções entre feminismos e direitos humanos?

Lúcia – Eu acho que os direitos humanos se baseiam no princípio da universalidade, e o feminismo é direccionado mais a um “setor” específico, acho que deve ser por isso que se faz um pouco a distinção. Mas, no entanto, não podemos esquecer que nós como mulheres somos seres humanos, e é um direito que nos assiste. Mas são questões complexas.

Raquel – Foi engraçado estarem a fazer essa pergunta porque estive a fazer essa reflexão recentemente, sobre os direitos humanos e o feminismo. Durante muito tempo eu achei que não deveríamos dissociar uma coisa da outra, mas hoje em dia já não acho isso, acho importante dissociar, acho importante haver essa separação no sentido em que enquanto as mulheres não forem consideradas como humanas em muitas sociedades nós necessitamos do feminismo, necessitamos de ouvir, de falar, necessitamos que oiçam as nossas reivindicações. Eu acho muita piada quando as pessoas dizem que não são feministas, são humanistas. Sou humanista, advogo os direitos iguais para todos os seres humanos. E a pergunta que me apetece fazer é: as mulheres são vistas em todas as socidades como seres humanos, as suas reivindicações são tidas em conta? De há uns dois anos para cá temos assistido a um aumento extremo de violência contra as mulheres. E não falo só de violência física, falo também de violência psicológica. E é importante que haja o feminismo para que efetivamente se retratem estas questões de uma forma direta. Porque se nós colocarmos tudo no mesmo barco, acreditem que vamos afundar. Porque a questão do feminismo se vai desvanecer dentro dos direitos humanos, porque sabemos que quando se fala de direitos humanos falamos dos direitos universais do homem. E não nos enganem e não nos digam que o H maiúsculo representa todos os seres humanos. Nós sabemos muito bem quem é que detém o poder, a legitimadade, o poder de fala. E enquanto homem continuar a deter esse poder de fala ele vai sempre asfixiar a nossa voz, e portanto é necessário criarmos grupos de reivindicações nossos. É importante abarcar o racismo dentro da questão do feminismo também, isso é uma questão primordial. Mas também deve existir a separação entre o feminismo negro e o feminismo hegemónico, porque dentro do feminismo hegemónico ainda não vemos as nossas reivindicações tidas em conta, e se nos aglutinarmos vamos acabar outra vez asfixiadas. Então é importante nós também termos um espaço nosso de reflexão para que possamos efetivamente pautar as nossas reivindicações de forma a que elas sejam tidas em conta dentro do feminismo, tal como o feminismo hegemónico deve pautar as suas reivindicações para que elas sejam tidas em conta dentro dos direitos humanos. E esta é a minha reflexão.

 

Portanto é crucial o reconhecimento da identidade enquanto portugueses e do apagamento da história pré-colonização.

Raquel – Eu acho que é preciso que a sociedade portuguesa se abra para esta questão, que é reconhecer que existem portugueses negros. Penso que é importante que as pessoas tenham esse conhecimento histórico, que nós também queremos trazer para o debate, mas também é importante que as pessoas reconheçam essa identidade, porque enquanto isto não for reconhecido nós não vamos conseguir ir a lado nenhum. E isso nós vemos em variadas frentes, nomeadamente na questão do não reconhecimento das problemáticas que afetam as mulheres negras portuguesas: existe quase uma vontade patológica de nos fazer acreditar que a discriminação racial já não existe. No mundo ideal seria assim, mas nós sabemos que não é. Tem de haver um corte, uma ruptura epistemológica, comportamental por parte de indivíduos e instituições, uma vontade real de diálogo. Eu já ouvi dizer que nós devemos falar menos e ouvir mais. Eu acho precisamente o contrário: passámos a nossa vida a ouvir e que chegou a hora de falarmos. Muitas vezes conotam as feministas negras a discursos muito agressivos. Não considero que seja agressivo: acho que agressão é vermos constantemente negados os nossos direitos cívicos. Eu acho que esta é a verdadeira agressão. Nós combatemos o patriarcado e o machismo, mas muitas vezes vemos que se utilizam de certos privilégios para continuar a oprimir pessoas do mesmo género. Por isso é que surge novamente a pergunta: que tipo de mulheres é que estamos aqui a representar? Não falo apenas de feministas negras, agora estou a falar no movimento mais geral. Esqueci-me referir que referentemente à questão da orientação sexual, das mulheres lésbicas, das mulheres trans, de mulheres que não querem definir o seu género… Vemos que muitas vezes estas questões são ignoradas ou então postas em segundo plano, e não!, tal como a questão das mulheres negras são questões primordiais no feminismo e devem estar lado a lado. É esta a nossa luta a travar, e é exatamente este o nosso objetivo, trazer estas questões e outras que ainda não foram abordadas a debate.

 

Entrevista e fotos: Rebeka Dávid

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