Sofia, uma sonhadora que não baixa os braços. Presidente e fundadora da Associação Plano I , um sonho que há muito embalava. Encontra na investigação científica a forma de dar voz a quem o Mundo, de alguma forma, silencia. É docente universitária e neste papel compromete-se com a lógica
Como surgiram as questões dos Direitos Humanos e mais propriamente as questões de género na sua vida?
Eu acho que comecei a ter consciência dessas questões ainda na faculdade, muito por influência da Prof. Conceição Nogueira que viria a ser depois minha orientadora de doutoramento. Foi no âmbito da psicologia comunitária onde essas questões naturalmente são abordadas e eu comecei a perceber que havia todo um mundo para descobrir que até ali eu não conhecia. Mais tarde quando iniciei o meu estágio académico, no comando da PSP de Braga, comecei a trabalhar com vítimas de violência de género e a minha monografia foi sobre esse tema e portanto tive de fazer uma incursão pela história, onde me deparei com os feminismos. Um outro Mundo novo que descobri na altura e a partir desse momento não deixei de interessar-me por esta área. E portanto todo o meu percurso quer académico quer profissional tem sido construído muito em torno desse objetivo: trabalhar em prol dos Direitos das Mulheres.
E os ativismos, como começaram a surgir?
Eu costumo dizer que sou uma ativista académica e portanto tento aliar o meu papel enquanto professora e investigadora ao meu papel de ativista. Terá sido no ano de estágio que essa questão se terá começado a esboçar e, portanto comecei a estar mais perto de algumas associações de mulheres, de algumas associações feministas. Comecei a fazer algum tipo de pesquisa de informação acerca de como me envolver em algumas atividades que pudessem, fora da academia, ter algum impacto na vida das mulheres. E portanto, quando me lembro de mim enquanto profissional, lembro-me de mim enquanto ativista. Foi um momento quase que de congregação de vontades: vontades profissionais, vontades académicas e vontades ativistas também.
Fez questão de se afirmar como feminista há algum tempo. Quais foram as reações que foi encontrando ao longo deste percurso relativamente a essa posição?
As reações iniciais eram reações de estranheza. Como se anunciar que era feminista era algo inesperado, até porque comecei a perceber os feminismos como algo académico e portanto falava dos feminismos em contextos académicos e isso criava certa desconfiança até. Progressivamente, e isso tem que ver com a própria mudança dos país, nos últimos anos, penso que as questões feministas têm vindo a ser cada vez mais aceites e que já há outra forma de olhar para os feminismos. Embora nem sempre se perceba o que significa exatamente ser feminista. Eu faço questão em afirmar esta minha identidade porque entendo-a como uma posição ideológica. Como um compromisso político que assumo perante os diferentes contextos em que trabalho.
Tem um filho com 10 anos. Como é uma mãe feminista no desafio de educar um pré-adolescente?
Eu acho que educar, hoje em dia é uma desafio. Educar um rapaz, é um desafio ainda maior. Eu tive essa consciência quando percebi que ia ser um menino. E portanto o que tento, no dia-a-dia é passar-lhe os valores da igualdade, da democracia, da justiça social, confrontando-me com os obstáculos com os quais ele se depara no dia-a-dia. O sistema não está pensado para ser igualitário, nem para ser democrático, nem para ser justo e portanto eu costumo dizer, são batalhas diárias que vamos ganhando, tornando-o um cidadão mais consciente do mundo que o rodeia.
Neste momento está envolvida num projeto novo, um projeto seu, o Plano I. O que é este projeto?
Este projeto já estava delineado à alguns anos. E eu achei que a zona Norte precisava de um novo impulso em termos associativos, portanto, em 2015, com um conjunto de pessoas de diversas áreas, decidimos criar esta associação, a Associação Plano I. O “I” procura trazer aqui as questões da Igualdade, da Inclusão, mais da Insubmissão. E esta associação rege-se pelo princípio dos Direitos Humanos. Procuramos estar na linha da frente trabalhando em áreas que possam promover os Direitos Humanos, não apenas os Direitos Humanos das Mulheres, mas de todos os grupos socialmente mais vulneráveis.
Uma das grandes conquistas para a Associação foi a abertura de um centro de apoio à população LGBT, no Norte. Como surgiu e o que representa para si?
O centro Gis foi um desafio que a Sra. Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade lançou à Plano I, que acolhemos com muito agrado porque sentíamos que era uma necessidade na zona Norte. Com o apoio da C.M. de Matosinhos foi possível, em Novembro de 2016, assinar uma carta de compromisso para a criação deste centro, que é um centro de respostas às populações LGBT; e em Janeiro de 2017, abrimos as portas. Ele está a funcionar, sendo muito procurado e tendo já um conjunto de casos complexos, o que significa que a resposta era mesmo necessária e portanto viemos cobrir uma área que estava a descoberto na zona Norte do país.
Quais são os próximos passos da Plano I?
A Plano I tem agora um novo desafio que passa pela implementação de um projeto de prevenção da Violência no Namoro em contexto Universitário. Arrancou esse projeto em 14 de Fevereiro de 2017 e portanto vamos procurar desenvolver um trabalho com uma universidade, numa lógica mais piloto / experimental nesta primeira fase, criar também um gabinete de atendimento para vitimas de violência no namoro, e fazer todo um trabalho de formação e sensibilização… E, no fundo, de transformação social porque o que queremos é cultivar uma cultura de zero violência e não tolerância à violência e achamos que isso só é possível através da educação.
Neste seu percurso enquanto ativista, feminista, psicóloga. Há alguma história que a tenha marcado?
Houve uma história que é relativamente recente e que aconteceu numa altura em que eu estava a coordenar um projeto financiado pela CIG que implicava, entre outras ações, a intervenção em grupos de mulheres vítimas de violência de género. Nesse projeto uma das participantes dos grupos foi assassinada pelo ex-companheiro. Essa situação em concreto fez-me refletir sobre os riscos da nossa própria intervenção uma vez que nos propomos promover a igualdade mas nem sempre a conseguimos conquistar portanto a morte desta mulher a somar à morte de tantas outras em Portugal faz-me acreditar que tenho feito nos últimos 17 anos, não é ainda suficiente. E portanto espero continuar com o mesmo fôlego, com a mesma energia para que este tipo de fenómenos não venha a repetir-se, embora não depende de ninguém em particular, de ninguém individualmente, depende sim de um esforço e de uma vontade política e de um esforço social que eu acho que esta a acontecer, mais devagar do que eu gostaria, mas que está a acontecer progressivamente.
Quais são os caminhos da igualdade em Portugal?
Os caminhos da Igualdade, para mim, passam inevitavelmente pela educação. Temos que apostar na educação de base, na educação formal e informal mas temos de começar desde muito cedo a trabalhar às questões dos Direitos Humanos, as questões da igualdade de género, da não violência, na escola com as crianças, para que elas cresçam com esta cultura e que se tornem responsáveis pela prevenção da violência e pela promoção da igualdade. Os caminhos passam precisamente por ferramentas que nós temos obrigação de criar com os mais jovens e as mais jovens para que se passe o testemunho, porque é preciso criar uma nova geração de feminismos, é preciso adapta-los às novas exigências e realidades e só fazemos isso promovendo a reflexão e a consciência critica face aos problemas sociais.
Além do Plano I também concretizou há pouco tempo um dos seus objetivos de escrever um livro infantil. Como foi essa experiência?
Foi mais um desafio, e eu estou a repetir a palavra desafio varias vezes porque realmente têm sido muitos desafios. Este livro surgiu também de uma parceria amiga e colega psicóloga e com um ilustrador que também é psicólogo, curiosamente. E decidimos então de forma ficcional criar uma história de uma família homoparental, tentando desconstruir uma série de estereótipos relacionados, por um lado com as questões da homoparentalidade e por outro também com as questões de género. Trouxemos também para o debate as questões da pobreza, as questões da discriminação, as questões da cigano-fobia. Aproveitamos o livro para criar um instrumento de trabalho que possa ser usado nas escolas. Aliás, o livro foi recomendado pelo Plano Nacional de Leitura para que as crianças através da educação possam começar a pensar nestes temas o mais cedo possível.
Quais são os próximos sonhos da Sofia a ganhar espaço?
São tantos os sonhos…Eu tenho varias plataformas de luta e portanto continuo a querer ser professora, investigadora, ativista… Os sonhos no fundo acabam por ser uma continuidade daqueles que já foram sonhados e que visam prosseguir o que tenho feito e o que o país tem feito nesta matéria, e portanto espero realmente conseguir cativar mais pessoas para esta luta que não é só minha, é de todos e de todas. E espero sinceramente que Portugal se transforme num país melhor, mais consciente das suas dificuldades e fragilidades. E no que depender de mim, cá estarei para travar todas as lutas que forem necessárias.
Entrevista: Joana Torres | Fotos: Nélida Cardoso