Mulher-palhaço, conhecida pela a sua personagem Teté no palco. Há 40 anos fundou o Chapitô, escola secundária e companhia de circo e muito mais: um lugar de trabalho artístico e de intervenção social.
Como encontrou este caminho do circo e trabalho social?
Sou uma mulher muito emancipada, rebelde, livre, autónoma, eu não peço licença nenhuma para andar. E fui construir o Chapitô e agora estou aflita o que é que faço com isto tudo? A minha família é da alta-burguesia, não tem nada a ver com esta minha vida. Ou tem tudo! Ça dépend. É um facto que esta força também vem da minha mãe que era uma mulher fantástica. O meu pai teve na erradicação da lepra, e nós éramos sete filhos, no interior das Áfricas. Estávamos isolados porque a leprose era uma doença contagiosa na altura. Eu via os leões a passar às nossas portas, foi uma vida muito interessante. E talvez tenha ficado um bocado essa parte, daquela gente mais complicada, que não tinha grandes oportunidades, e dediquei-me a isso através do circo. Éramos uma família grande, à portuguesa. E de repente, eu fugi dali para fora e lancei-me à vida aos 16 anos. Esta coisa do circo estava a atazanar-me há muito tempo porque eu era muito divertida. Ainda sou divertida, mas a administração mata-me.
Consegue ter tempo para atividade artística?
Só encontro tempo muito a correr, en passant, para estas coisas de criar e divertir, e isso faz-me imensa falta. O meu grande problema é que como não tive escolas eu sei fazer tudo, e faço, mas a parte administrativa é um sufoco. Não há muita gente que me acompanhe nesta polivalência que este projeto leva, porque é muito complexo e interdisciplinar. Tem muitas vertentes: a parte social, a parte de formação, a parte cultural e a parte da economia social. É um trabalho informal, mas com muito rigor. O Chapitô é um projeto que faz pensar.
Voltou a Portugal apenas dois dias depois da revolução.
As mulheres estavam muito abafadas antes de 25 de Abril. Foi uma das razões que me fez ir embora, de me querer afastar daqui. Também não foi por razões políticas que não sou uma pessoa de política. Sou uma pessoa de causas, de política social. Sou uma agitadora, ativista, a construir: um cidadão do mundo e por acaso sou mulher. Quando voltei depois da revolução, comecei a fazer trabalhos de alfabetização em terras onde não chegava nada, não havia caminhos, não havia luz elétrica, nada. Como era palhaça eu animava as pessoas, captava a atenção delas e depois no final fazia lá o que era preciso. Foi um tempo muito interessante. Agora acho que as coisas estão muito instaladas. Na revolução o papel da mulher foi fundamental. Não foi muito visível, mas foi fundamental, pois contribuiu para a mudança desta sociedade, que as vezes é muito difícil fazer, que o people está todo muito instalado, muito confortável. Se há alguma coisa que destabiliza, estão assustadas, com tem-que-fazeres: “E pah, não sei, deixa ver… Ai, já não posso, que hoje está a chover”. Então se está a chover a gente tem que ir para a rua na mesma! Eu acho que é preciso todos os dias fazer a revolução.
Tem que estar sempre na luta?
Considero que a gente está sempre em guerra no mundo. Tem que haver um grupo de guerreiras, um grupo de elite para trabalhar para a população mais vulnerável. Agora é ao contrário. A gente, os melhores todos têm que trabalhar para quem não tem. É uma responsabilidade maluca.
Que planos tem par o futuro?
Queria ficar um bocado parada e sossegada, pensar na vida e digerir o que eu fiz. E quero voltar a ensaiar, a treinar e espero ter ainda tempo para isso, porque é isso que quero fazer. Mas é meio difficile. Como dizia o Zé Mário Branco na Inquietação, eu não pus o barco no mar para o abandonar. O Chapitô é assim: ainda estamos no mar, já tivemos tempestades, mas agora está mais ou menos tranquilo.
E como vai ser o futuro do barco?
Ai, eu vou chegar a terra! Tenho de chegar a terra. Está quase, mas está difícil. Mas o rumo está lá, está lá direitinho. Só tenho de seguir os caminhos par lá chegar. Não estamos à deriva, mas a gente de vez em quando tem que se desviar, ir para aqui ou ali, porque o barco está cheio de gente. É bom que o people não se afunde. Se nos afundamos, só se salva quem sabe nadar e há muita gente que não sabe nadar, não é?