Olga Mariano e Noel Gouveia: “Sou cigana com todo o orgulho que isso me dá, e posso ser tudo aquilo que quiser ser sem nunca deixar de ser quem sou”

Olga Mariano e Maria Noel Gouveia são mãe e filha e ciganas empoderadas. Criaram a AMUCIP, associação que é a ponte entre a comunidade cigana e não cigana. Ambas quebraram barreiras e lutam para que outras mulheres tenham mais opção de escolha, mas sem nunca deixar de lado as tradições ciganas.

 

A Olga foi a primeira mulher cigana a tirar a carta de condução. Como é que deu esse passo?

Olga: Sem dúvida que para mim foi um passo gigante. Como eu tinha a 4ª classe e os meus pais não tinham (nem o meu irmão homem) o meu pai optou por me dar esse presente. Como estava protegida pelos meus pais, foi mais fácil mas não faltou a censura. Logo passados uns 6 meses houve outra mulher cigana a tirar a carta.

O meu pai era vendedor ambulante e houve uma altura que, com uma pessoa não cigana, fez um negócio de troca por um carro em segunda mão que ele tinha. Só faltava alguém que o conduzisse e a única possibilidade à vista era eu. Então o meu pai emancipou-me.

 

Existem grandes diferenças entre a discriminação das mulheres ciganas e não ciganas?

Olga: A nossa história cigana – e portuguesa – também vem dos portugueses não ciganos. As meninas não ciganas saíam para ir ajudar as mães nas tarefas laborais e ir tomar conta dos irmãos.

Continuámos com as nossas tradições mais fechadas para fazer com que não nos apedrejassem tanto. As mulheres ciganas que dão um passo em frente no caminho de libertação, sem se desviar daquilo que é ser cigana, têm outras formas de ver o futuro. Sou cigana com todo o orgulho que isso me dá, mas se não quiser ir para a feira, posso ser professora ou empresária, posso ser tudo aquilo que quiser ser sem nunca deixar de ser quem sou.

Noel: Eu acho que a abertura da mulher tem a ver com o próprio papel da mulher na sociedade, no governo, na família. A minha avó já o dizia: “O homem é a cabeça, filha. Tu simplesmente és o pescoço que apoia a cabeça. Mas não te esqueças que é o pescoço que faz virar a cabeça para direita e para a esquerda”. Então, suavemente, nós cada vez mais temos empoderamento.

 

Quais são os maiores desafios que uma mulher cigana enfrenta na sua vida?

Noel: Uma imagem limpa. Senão, dentro da sociedade, não tem voz. Não podemos “extravasar” muito fora das regras. Tento não sair muito à noite com o meu marido para sítios onde vão outros rapazes ciganos, porque eu sei que não é bem visto. É uma comunidade que censura muito, porque é muito baseada na imagem da mulher e do que é envolto à mulher.

 

 

Entrevista: Margarida Henrique | Fotos: Pedro Pinto Basto

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